Miguel Matos : descriminalizar é a solução
Dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) retirar da pauta de julgamentos a descriminalização das drogas no Brasil, o advogado e jornalista Miguel Matos avalia que é preciso ampliar o debate e descriminalizar a maconha no País. “Nações de diferentes graus socioeconômicos estão aplicando políticas de liberação total ou parcial da droga”, aponta, citando como exemplo o Uruguai e o Canadá, que legalizaram o consumo. “Nos Estados Unidos, 33 Estados já permitem o uso medicinal e nove deles o chamado consumo recreativo”, diz ainda o dono do portal Migalhas.
Para Miguel Matos, os efeitos da guerra às drogas, no Brasil, são desastrosos. O advogado e jornalista acredita que tais políticas públicas apenas culminaram com o aumento da violência e “do poderia econômico de grupos criminosos”. “Hoje, eles monopolizam toda a cadeia comercial das drogas: da produção à venda, passando por uma engendrada distribuição”, explica. E completa: “Mas, estão [os grupos criminosos] também envolvidos em uma série de outras atividades ilícitas paralelas, como o tráfico de armas e o contrabando”.
Miguel Matos chama atenção ainda para um problema evidente no país: o recrutamento de jovens da periferia para participarem de grupos criminosos, em especial os que fazem parte do sistema prisional. Tudo isso, claro, resultado do tráfico de drogas. “Dentro das penitenciárias, o encarceramento de pequenos traficantes e usuários amplia esse exército. Ao voltarem para as ruas, depois de entrar em contato com criminosos mais agressivos, seu grau de periculosidade é sempre maior do que antes da prisão”, avalia o advogado e jornalista.
Internação de usuários
Miguel Matos traz à luz ainda a Lei 13.840, que autoriza a internação compulsória de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial. Ele lembra que o projeto é do atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, de quando ele ainda era um parlamentar e critica: “trata-se de excelente iniciativa para manter o atual estado das coisas”. E explica: “a Lei, no entanto, foi publicada com diversos vetos, entre eles o que alterava dispositivo da lei 11.343/06 e modificava a pena pelos crimes de tráfico de drogas e aumentava pena de reclusão para quem exercesse o comando de organização criminosa”.
Na avaliação do advogado e jornalista, o maior problema do endurecimento das políticas públicas de combate ao uso de drogas é que “até hoje, nenhuma lei criada por jurista algum conseguiu ser mais forte do que a lei de mercado. Ela diz o seguinte: se há procura pelo produto, haverá oferta. Se há riscos, eles são embutidos no valor da mercadoria. Os legisladores brasileiros acreditam ser possível vencer essa lógica”.
Nas Filipinas, lembrou Miguel Matos, o presidente Rodrigo Duterte autorizou o uso da força bruta contra traficantes e usuários e o resultado, em dois anos, foi desastroso: um saldo de nada menos do que 27 mil pessoas mortas. “As drogas, contudo, não sumiram do país”, ressalta. Por isso, continua, “o debate sobre a descriminalização se faz tão urgente. Hoje, o Brasil se encontra diante de uma encruzilhada. Podemos tomar medidas populistas, como a carnificina perpetrada pelas Filipinas. Ou podemos observar o que está acontecendo em países do nosso próprio continente, como Canadá, Estados Unidos, Uruguai e México, e desenvolver uma nova política antidrogas brasileira”, observa o advogado e jornalista.
STF
Miguel Matos fez questão de lembrar ainda que, em 2015, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou um voto favorável à descriminalização da maconha no país. “Estamos no domínio das escolhas trágicas”, afirmou o magistrado à época. “A escolha é realmente complexa”, pondera o dono do portal Migalhas. No entanto, assegura, “o atual modelo de política antidrogas, que agora se quer reforçar, tem feito mal a uma parcela muito maior da população”.
Agora, ressalta Miguel Matos, “cabe ao STF concluir a votação do assunto”. Vale lembrar que a retomada do julgamento estava marcada para esta quarta-feira (5). Porém, foi adiado sem data prevista para volta à pauta. Por isso, critica o advogado e jornalista, “ao se omitir, a Corte vira as costas para um flagelo que assola o país”, argumentando que, mesmo não sabendo, ao certo, o efeito a médio e longo prazo da liberação das drogas, o que se tem certeza é “das consequências das décadas de proibição. O que elas apontam, basicamente, é o que todos sabemos: o modelo não funciona”, conclui.