Senado vai fazer acompanhamento permanente das políticas públicas, anuncia Renan Calheiros

O presidente do Senado, Renan Calheiros, dá sinais evidentes de que não vai recuar da decisão de resgatar o papel do Senado, como órgão de fiscalização do Executivo, e anunciou em plenário, no dia 3, a implantação de um programa de avaliação de políticas públicas. Ele considerou que isso “é um avanço fundamental no seu maior protagonismo, exatamente na fiscalização”. Desde o dia 3 de março, quando Renan devolveu ao Palácio do Planalto a Medida Provisória que pretendia rever as desonerações de folha de pagamento para vários setores da economia, os senadores têm surpreendido o Executivo com sinais de mais independência, a exemplo da rejeição do nome do embaixador Guilherme Patriota para ocupar o cargo de representante do Brasil na OEA (Organização dos Estados Americanos).

Renan Calheiros tem sempre revelado, em seus pronunciamentos, a convicção de que o Senado Federal não pode ignorar suas prerrogativas Constitucionais e que não vai abrir mão de agir com independência e, assim, quando for o caso, “impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou ao regimento interno do Senado, devolvendo-as ao seu autor”. Setores governamentais ficaram estupefatos e reagiram com interpretações equivocadas. Viram esse novo momento do Senado como reflexo da insatisfação do senador Renan Calheiros com o governo federal, que não teria atendido algumas de suas reivindicações.

RELAÇÃO HARMONIOSA

Alguns analistas políticos acham que é um erro o governo atribuir ao Renan Calheiros a responsabilidade pelos atos de rebeldia de alguns senadores. A verdade é que a insatisfação com o governo da presidente Dilma é geral, inclusive junto a integrantes da base aliada. No Senado, as decisões precisam ser compartilhadas com 81 senadores e cada um representa apenas um voto, inclusive o presidente da Casa. No resto, suas ações de independência são limitadas e atreladas a um regimento interno bastante inflexível. Além disso, o governo possue, em tese, ampla base aliada do Governo, formada pelo PMDB, PT, PP,PR, PSD, PTB, PRT, PCdoB e PROS, que lhe daria tranquilidade na hora de votar as matérias de interesse do Executivo, mas tudo indica que essa base não é tão aliada como se pensava, mesmo entre os petista. Na votação da MP 665, que acabou com a atual sistemática de cálculo das aposentadorias, houve três defecções petistas, os votos dos senadores Paulo Paim, Lindbergh Farias, Walter Pinheiro, que votaram a favor da queda do fator previdenciário.

O Executivo não tem mais encontrado no Senado o tradicional aliado para dar sustentação legal aos seus atos, inclusive aos mais indigestos como aumento de impostos e perda de direitos trabalhistas. Essa insatisfação é consequência de um governo fraco, com dificuldades econômicas e se ressentindo de uma articulação política mais eficiente, o que vem sendo feito pelo vice-presidente Michel Temer. Esses mesmos analistas consideram um erro tentar atingir a imagem de Renan na tentativa de quebrar as resistências no Senado, que estaria impedindo uma relação mais harmoniosa entre o Executivo e o Legislativo, no caso, harmoniosa entenda-se como submissão aos desígnios vindos do outro lado da Praça dos Três Poderes.

Já se tentou, por exemplo, atribuir o comportamento de “rebeldia” de Renan Calheiros ao fato de não ter conseguir cargos no segundo escalão do Executivo para seus aliados. O que receberam foi uma resposta dura: “O pior papel que o PMDB pode fazer é substituir o PT naquilo que o PT tem de pior que é no aparelhamento do Estado. O PMDB não pode transformar a coordenação política, sua participação no governo, em uma articulação de RH, para distribuir cargos e boquinhas. Eu acho que isso tudo faz parte de um passado do Brasil que nós temos que cada vez mais deixa-lo para trás”, atacou. Quando indagado se havia pedido cargos ao governo foi mais enfático: “Não vou indicar cargo no Executivo. Esse papel hoje é incompatível com o Senado independente. Prefiro manter a coerência do Senado independente não participando de forma nenhuma de indicação de cargos no Executivo”, afirmou.

VITÓRIA APERTADA

Renan continuou incomodando o governo com suas críticas ao ajuste fiscal promovido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por entender que a conta está sendo paga pelos trabalhadores. Renan Calheiros chegou a classificar como “embuste fiscal” o ajuste do governo que estabelece cortes duros no Orçamento, que, segundo ele, “penaliza o pobre, tributa a renda e o salário, penalizando também os municípios”. A declaração foi feita na quarta-feira (27) em discurso na solenidade de abertura da 18ª Marcha dos Prefeitos pela revisão do pacto federativo. Em sua opinião, “é fundamental que o Executivo corte na carne diminuindo o tamanho do Estado”, que conta com 38 ministérios e mais de cem mil cargos em comissão. “Trata-se de uma excrescência”, ressaltou Renan.

As MPs do ajuste fiscal acabaram sendo aprovadas, com algumas alterações, para alívio do governo. Foi uma vitória apertada do governo na primeira batalha do ajuste fiscal no Senado. A proposta que endurece as regras para a concessão de seguro-desemprego, abono salarial e seguro ao pescador artesanal passou por uma diferença de apenas sete votos. Votaram a favor 39 senadores. Contra, 32. Dilma Rousseff só prevaleceu porque foi socorrida por senadores dos dois principais partidos de oposição (PSDB e DEM) e de uma legenda que se diz “independente” (PSB).

Ao comentar os votos favoráveis dados por senadores peemedebistas às MPs do ajuste fiscal, Renan mostrou que é presidente do Senado, mas não é dono do PMDB. “Eu não sou o PMDB, o PMDB age coletivamente. Eu, quando tive oportunidade, votei contrariamente, fiz questão de manifestar o meu voto e colocar o meu ponto de vista. Mas eu não posso balizar o comportamento do PMDB, da bancada do PMDB. O que eu gostaria era de que o PMDB, neste momento de dificuldade nacional, qualificasse a coalizão de governo. Deixasse claro qual seria a expressão do seu papel dentro dessa coalizão. Acho que, se o PMDB fizer isso, se sairá melhor. Se não fizer, o PMDB vai acabar herdando do governo aquilo que o governo tem de pior”, analisou o presidente do Senado.

PACTO FEDERATIVO

Renan tem se mostrado incansável. Numa demonstração de força reuniu no mês de maio 23 dos 27 governadores no Salão Negro do Senado para discutir a questão do pacto federativo. Dos quatro que vieram, três enviaram os vice-governadores. O Rio de Janeiro foi o único que enviou um representante, o secretário da Fazenda. O governador fluminense naquele mesmo dia e hora recebia o primeiro-ministro chinês.

Os governadores, quase por unanimidade, se queixaram da concentração de recursos pela União e afirmaram que também estão realizando ajustes fiscais em seus Estados. “A situação dos Estados é de emergência. Entendemos a situação do país e também estamos fazendo nossos ajustes. Mas precisamos da ajuda da União”, disse o governador Ivo Sartori (PMDB), do Rio Grande do Sul. Ele pediu redução do comprometimento estadual com pagamento da dívida com a União (de 13% para 9%). “Isso nos dará melhores condições de investimento”, disse.

Renan já definiu com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha uma agenda de prioridades legislativa, decorrente das sugestões apresentadas pelos chefes dos executivos estaduais. Conforme revelou Renan, a partir desse detalhamento, a Câmara e o Senado vão estabelecer as proposições legislativas que receberão tratamento prioritário nas votações na Câmara e nas votações no Senado. Renan Calheiros disse ainda que será criado um grupo de trabalho permanente para acompanhar ações de desburocratização e descentralização de ações que hoje limitam o avanço do Pacto Federativo.

O governo tem recorrido às declarações em “off”, quando o autor não é revelado, para levar alguns representantes da mídia a interpretarem o pacto federativo como uma tentativa de Renan Calheiros e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de promoveram uma verdadeiro “assalto” ao Tesouro. Viram na reunião com os governadores a intenção de deslocar algumas receitas do Executivo Federal, que abocanha a maior parte da arrecadação, para os governadores e prefeitos e, ao mesmo tempo, obrigar o governo a aumentar sua participação nos gastos dos estados e municípios com educação, saúde e, principalmente, segurança.

FIM DA CAIXA PRETA

No final de maio e início deste mês (junho), Renan e seu colega da Câmara, Eduardo Cunha, voltaram a assustar o governo com a divulgação do anteprojeto de uma Lei de Responsabilidade das Estatais, que prevê maior controle das empresas estatais e públicas, nos mesmos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que há 15 anos vem tentando disciplinar os gastos do Executivo.

Ao explicar a proposta, Renan não deixou por menos: “Esta é uma lei para o Brasil. Não foi feita contra ninguém, a opacidade na gestão das estatais não pode continuar. Hoje esse universo das estatais é um universo paralelo. Vamos abrir a caixa-preta das estatais”.

O anteprojeto tem 44 artigos que tratam da administração das empresas públicas e das sociedades de economia mistas. Outros aspectos abordados são a transparência, o controle público, governança, forma de eleição e capacitação dos controladores.  Uma das principais mudanças é que a nomeação dos dirigentes terá de ser aprovada pelo Senado Federal, após sabatinados pelos senadores. Uma comissão mista que vai apresentar o projeto final. Fazem parte da comissão os deputados federais Arthur Maia (SD-BA), que será o relator, Danilo Forte (PMDB-CE), André Moura (PSC-SE) e Rogério Rosso (PSD-DF) e os senadores Romero Jucá (PMDB-RR), José Serra (PSDB-SP), Otto Alencar (PSB-BA) e Walter Pinheiro (PT-BA).

MEDO DA SABATINA

O que mais assustou o governo foi a exigência de sabatina. O governo se viu em mais um embate com o Congresso. Agora, as divergências surgiram com a proposta defendida pelos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de dar aos senadores o poder de sabatinar e aprovar ou rejeitar indicações para o comando de estatais como Petrobrás, Banco do Brasil e Correios.

Dilma repudiou o anteprojeto apresentado anteontem pelos peemedebistas e disse que escolher os presidentes das estatais “é uma prerrogativa do Executivo”. Pouco depois, ouviu de Renan que a proposta é “uma resposta do Legislativo ao desalinho das estatais, de todas, inclusive da Petrobrás”. Líderes do PSDB no Senado, em compensação, consideraram a exigência de sabatina um “exagero”.

A proposta de uma Lei de Responsabilidade Fiscal foi bem recebida por alguns representantes da mídia, como o prestigioso jornal “O Estado de São Paulo”. Em seu editorial, publicado na edição desta data, dia 5, o jornalão paulista explicou: “A finalidade da proposta é estabelecer requisitos mínimos para a nomeação dos dirigentes das estatais, com uma maior fiscalização do Legislativo no processo de escolha”.

Entre as medidas do anteprojeto está a exigência de sabatina e de aprovação pelo Senado para a nomeação dos presidentes das estatais. Diante dessa louvável iniciativa do Congresso,  a presidente Dilma Rousseff atuou como sempre – desviando o foco da discussão, Dilma repudiou o anteprojeto alegando que a escolha dos presidentes das estatais é prerrogativa do Executivo. “Eu gostaria de dizer que nós consideramos que a nomeação de estatais, Ministérios e de autarquias é prerrogativa do Executivo”, afirmou a presidente.

APOIO DA MÍDIA

O editorial do Estadão reconhece que a nomeação de presidentes das estatais e empresas públicas é prerrogativa do Executivo, mas adverte também que “não há qualquer dúvida de que a sabatina e a aprovação pelo Senado não interferem nessa prerrogativa. Basta lembrar a previsão de sabatina para os cargos de embaixadores, cuja nomeação – como bem sabe a presidente da República – é de sua exclusiva prerrogativa, já que são representantes pessoais do Presidente da República junto a governantes estrangeiros. A sabatina prevista no anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais está em perfeita conformidade com as atribuições constitucionais do Poder Legislativo, entre as quais se encontra o dever de fiscalizar os atos do Poder Executivo”.

Segundo o editorialista do “Estadão”, “o que talvez tenha incomodado a presidente da República é que o anteprojeto estabelece critérios claros para a administração das estatais. Por exemplo, o texto dispõe sobre as condições mínimas para que alguém integre o Conselho de Administração de uma sociedade de economia mista de capital aberto – graduação em curso superior ou notória experiência em gestão empresarial, comprovada idoneidade moral e, no mínimo, cinco anos de atuação profissional em gestão. Certamente, tais condições teriam impedido o acesso a esses cargos de muitos nomes indicados pelo PT nos últimos 12 anos. Caso o anteprojeto seja aprovado, já não será possível fazer o que foi feito – o que representaria um enorme benefício para as estatais e para o País e, tendo em vista a reação da presidente Dilma, um não pequeno desgosto ao Palácio do Planalto, que prefere trabalhar com amplas margens de discricionariedade e sem muita fiscalização”.

PROTAGONISMO

Como órgão fiscalizador das ações do Executivo, o Senado vai dispor também, a partir de agora, de um programa de avaliação de políticas públicas, anunciado por Renan em Plenário do Senado, no último dia 3. Explicou que já havia se reunido com os presidentes das Comissões Permanente da Casa para que elejam, no âmbito de suas Comissões, pelos menos uma política pública, que possa ser acompanhadas e avaliadas ao final de cada ano.

Para Renan “isso é fundamental” e explicou: “O parlamentar faz a lei, somos eleitos para isso, é claro, mas é exatamente a fiscalização onde o Legislativo pode exercer seu maior protagonismo e é isso que nós estamos fazendo”.

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