Dr. Levy e o remédio errado. Por Jacoby Fernandes
Com frequência sou procurado para opinar sobre contas públicas e direito financeiro, temas recorrentes na minha atividade profissional pretérita e atual.
Em 03 de fevereiro de 2014, o Correio Braziliense publicou artigo “Legalidade e Execução de Despesa” no qual encerrei alertando: em relação ao ano de 2014, “o balanço ordenado pela LRF revelará que foram abertos créditos à conta de excesso de arrecadação, fulminando a legitimidade de atos que limitaram empenho. Tão grave é essa conduta que a Constituição Federal tipifica como crime de responsabilidade do chefe do Poder Executivo de cada esfera – art. 85, inc.VI”. Havia tempo para corrigir a situação.
Preservando-me de qualquer conotação política, como muito convém a um professor, me pareceu oportuno responder a inquietante indagação: o remédio de arrocho fiscal está correto?
A resposta é não. E, pior, parece haver convergência no pensamento sobre pontos de reclamos no setor público e privado. Alguns exemplos, colhidos ao correr da pena, revelam esse cenário.
1º) absoluto desrespeito a ordem jurídica
A aplicação da despesa pública se faz, em passo bem definidos:
• Plano plurianual (PPA) – Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – Lei orçamentária anual (LOA);
• Licitação, contratação, empenho, emissão da ordem de serviço ou compra, liquidação e pagamento.
A lei de responsabilidade fiscal, para assegurar o superávit das contas públicas criou um novo instrumento: a limitação de empenho. Este mecanismo se refere à obrigação de verificar, em período não superior a dois meses, se a arrecadação da receita está sendo realizada da maneira esperada. Caso a resposta seja negativa, o ente fica impossibilitado de realizar despesas, emitindo atos de limitação de tal empenho. Esta inovação da LRF não estava previsa no nosso Texto Constitucional,
Na prática, isso significou que mesmo estando no PPA, sendo compatível com a LDO, e tendo previsão orçamentária se a arrecadação não se realizasse como previsto na LOA poderia ser determinado a limitação de empenho. Portanto, entre o compromisso jurídico do contrato e a ordem de execução, poderia a Administração Pública inibir os efeitos concretos do contrato, por algum tempo, até a normalização da arrecadação aos níveis previstos. Medida de exceção, que com certa boa vontade foi tolerada pelo Direito frente ao mal maior de desajuste fiscal.
Agora, sem nenhum amparo jurídico, criou-se uma nova figura, com nome apropriado para confundir o operador do Direito: limitação de pagamento. Pode ser licitado, contrato, empenhado, mas se faltar dinheiro, não se paga. Consolida-se a ruína do contratado expondo-se a vexame o agente público, que na ponta tem o dever mínimo de zelar pela legalidade. Talvez as escolas de economia de ditaduras calassem os operadores do Direito e instituíssem a praxe da expropriação. Essa nova praxe conta com o silêncio eloquente dos órgãos de controle.
Normas infralegais se proliferam, num cenário centralizador, que impede a racionalidade de se recomendar aos gestores que, nas respectivas áreas de competência, contribuam com a redução momentânea de despesas.
Aumento de ações judiciais num país que ostenta a vergonha de ter mais de 90 milhões de processos em tramitação, impor o ajuste fiscal sem qualquer esteio jurídico é condenar os que aceitaram disputar um contrato com o governo a enfileirar-se a espera da tutela judicial, para receber no golpe do precatório parcelado seus direitos.
Alguns juristas têm evitado o caminho tortuoso e já desacreditado para requerer a tutela judicial específica para ordenar a inscrição na ordem cronológica tal como prevê o art. 5º da Lei 8.666/1993 e obter o pagamento ou a suspensão de pagamento fora dessa ordem.
2º) ofensa a moralidade
Com frequência encontram-se servidores que recusam, na atualidade, ocupar cargos de confiança. É extremamente difícil para a gestão exigir o cumprimento dos contratos se ao mesmo tempo institui e pratica o calote. Postos de gasolina são obrigados a abastecer veículos públicos, sem nada receber por meses. É o caso de governantes que assumem o cargo, como se a Administração nascesse no primeiro dia do mandato.
Ofende a probidade administrativa contratar, consumir e não pagar, provocando a ruína de empresas. A filosofia ensina que o Leviatã tudo pode menos atentar contra a vida do povo e as pessoas jurídicas têm existência no âmbito do Direito.
O mau exemplo do governo federal legitima a replicação do modelo em todas as esferas, até porque atingem os repasses de transferências voluntárias. Se a federação já sofria de distorção do sistema tributário, quando foi aplicada a extinção tributos federais e aumento das contribuições, o governo federal evitou a repartição de tributos pelo FPM e FPE e agravou o sistema já injusto.
O remédio certo
A escola da economia que ensinava aumentar tributos e conter despesa não só está superada, mas qualquer efeito positivo que tivesse está sendo irremediavelmente anulado. É como se o nosso médico aplica um remédio com validade vencida, errando a veia. Se não mata, pelo menos priva-nos de uma cura menos dolorosa.
O caminho que se apresenta é certamente outro: redução da carga tributária com expansão da base contribuinte; mais justiça social, mais desenvolvimento, menos burocracia. E, não é difícil, nem precisa de pactos federativos: a União pode fazer isso, recolhendo todos os frutos políticos para seus dirigentes.
Três exemplos, esclarecem o primado dessa nova escola.
Redução de tributos sobre a produção
Um veículo nacional tem mais de 50% de tributos. Anunciar a redução de 10% ao ano da tributação, num programa experimental de 5 anos fomentaria a mobilização da indústria. Mais veículos novos circulando, mais segurança de equipamentos, menor poluição, melhoria no trânsito, aumento do emprego e imediata reversão da curva de recessão e queda da arrecadação. De sobra, uma simples conta: o resultado final é a tributação de apenas 25% sobre o veículo; algo aceitável.
A eleição de produtos industrializados no Brasil, poderia implicar em mais justiça social.
Aumento de salário – redução de impostos sobre a folha
Num mesmo programa, os encargos sociais incidentes sobre a folha podem ser limitados a FGTS e contribuição para a saúde e previdência. Três encargos, recolhidos a um único órgão centralizador: a Receita Federal do Brasil.
Nada, absolutamente, nada do que patrão e empregado pagam a mais reverte para o trabalhador ou para o patrão. Dos atuais encargos incidentes, a norma pode prever que metade será transferida ao empregado, pondo fim a esses adereços populistas de contracheque. Quantos deixam de ser contratados por causa de distância e custo de vale-transporte, filhos e custo de creches?. O Estado se sente no Direito de iludir empregados e patrões criando benefícios que na verdade poderiam compor o salário, como se o empregado não fosse capaz de gerir o dinheiro e reservar parcela para o transporte.
Redução de burocracia
Até empregadores domésticos estão sentindo os efeitos da burocracia. O sistema implantado pelo governo, em base eletrônica, merece aplausos, sem nenhuma dúvida. Mas, ficou incompleto: poderia já calcular a folha de pagamento, a partir da informação de jornada diária, calculando horas extras. Tem sido frequente que para se cadastrar, os empregadores, além da perda de tempo, acabem por contratar auxiliares para cumprir a legislação. Se o governo resgatou uma injustiça com a categoria de empregados domésticos, por outro lado, levou para dentro dos lares a burocracia estatal. Em breve, certamente, iniciar-se-á o acréscimo de contribuições e taxas que já incidem no custo-brasil para a indústria e comércio.
O DECRETO Nº 6.932, DE 11 DE AGOSTO DE 2009. virou letra morta e junto com ele o longo caminho para resgatar a dívida social com a burocracia improdutiva.
Uma só guia, um só encargo, arrecadado e partilhado, com muita fiscalização pelo Tribunal de Contas.
O impacto social
Para cada real arrecadado, o contribuinte consome 0,5 centavos em custos, numa burocracia extremamente onerosa. Essas duas simples medidas devem ser acompanhadas de um compromisso de mudar o país, simplificar a atividade da parcela produtiva.
Não se trata de mera criatividade, mas um pensamento atual de economia que curiosamente foi até veiculado como saída na eleição de 2002, pelo partido que venceu as eleições para o poder Executivo federal, mas que foi esquecido. Reduzir tributos e burocracia é uma bandeira construtiva que ocupa o espaço de ações como combate a corrupção, que materialmente nada criam, embora indispensáveis à correção de rumos. É a chamada agenda positiva, que não tem mais espaço na mídia e que é a única capaz de ser a luz no fim do túnel, a réstia ínfima a sustentar a esperança.
O povo brasileiro acredita em seus governantes. Episódios desta pátria mostram como o brasileiro responde quando encontra uma visão de futuro que se mostre justa, mesmo com prejuízos próprios, como aconteceu no plano Collor.
Jacoby Fernandes é advogado, professor e mestre em Direito Público