Cesar Asfor Rocha, o homem que mais conhece o STJ
“Juiz não pode ser nem covarde, nem desonesto”. diz Cesar Asfor Rocha
Poucos magistrados podem dizer que levaram esse compromisso tão a sério quanto o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao longo de duas décadas no STJ, Cesar Asfor Rocha foi relator de 140 mil processos e julgou outras 700 mil ações nas turmas e seções de julgamentos. Foi também o responsável por quebrar a resistência tecnológica do tribunal e digitalizar as montanhas de processos em papel que se acumulavam pelas salas e corredores. Abaixo, veja a trajetória do ex-ministro e algumas de suas principais decisões.
O começo da carreira de Cesar Asfor Rocha
Cesar Rocha formou-se em direito pela Universidade Federal do Ceará, em 1971. Nos anos seguintes, começou a atuar como advogado e se especializou no direito público. Depois de prestar concurso, voltou à universidade, mas destas vez, como professor de Introdução ao Estudo do Direito, Teoria Geral do Direito e Direito de Família. Lecionou ali por vinte anos.
A partir dos anos 80, assumiu suas primeiras funções públicas. Foi procurador judicial da Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará e do Instituto de Previdência estadual. E entre os anos de 1983 e 1985, assumiu a procuradoria geral do município de Fortaleza. O ingresso na magistratura se daria pelo Tribunal Regional Eleitoral cearense, onde foi juiz por quatro biênios.
STJ, CNJ e TSE
Empossado em 1992, Cesar Asfor Rocha era tido entre seus pares como o “ministro que mais conhece o tribunal”. Ao longo de vinte anos na corte, participou de decisões que tocam no cotidiano do povo brasileiro. É o STJ que define a jurisprudência das relações entre diferentes partes da sociedade, como entre empresas e clientes, entre a receita federal e o pagador de impostos e, até mesmo, entre marido e mulher.
Nos gabinetes dos ministros, tramitam os destinos de milhões de brasileiros. Em dezembro de 2007, o então ministro Cesar Asfor Rocha indignou-se com o destino que a justiça brasileira havia dado ao caminhoneiro Aparecido Ferreira Batista. Preso há 60 dias em São Paulo, Batista era acusado de roubo de cargas em Pernambuco. Um detalhe: o caminhoneiro jamais havia estado em qualquer cidade pernambucana. Foi parar na cadeia porque, em 1999, ele havia perdido todos os documentos e, desde então, os papéis estavam sendo usados pelos criminosos que o implicaram no crime pelo qual acabou preso.
Por meio de uma reportagem exibida em um telejornal, a história de Batista chegou ao conhecimento do ministro. Cesar Asfor Rocha, que na época atuava como corregedor-nacional do Conselho Nacional de Justiça, tirou os juízes das comarcas de Pernambuco e de São Paulo da cama, fez com que eles tramitassem as decisões que permitiram que o caminhoneiro, inocente de qualquer crime que lhe acusavam, fosse passar o Natal em casa com a família.
A história singela representa uma das principais batalhas encampadas pelo ministro no tribunal: a luta contra a burocracia e a ineficiência dos tribunais brasileiros. Em 2008, ao assumir a presidência do STJ, Cesar Rocha instituiu como prioridade acabar com o papel. O presidente do tribunal criou um mutirão para digitalizar 150 milhões de páginas de 450 mil processos e conectou os tribunais estaduais ao STJ. Assim, eliminou o trâmite de envio de processos em papel, que levavam até 8 meses para saírem dos lugares de origem e chegarem às mesas dos ministros.
Na Justiça Eleitoral, Cesar Asfor Rocha teve papel preponderante na mudança da legislação que permitia que candidatos cujas contas de administrações anteriores tivessem sido rejeitadas pudessem votar a concorrer. A corte do Tribunal Superior Eleitoral, provocada por voto do ministro, então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, decidiu reinterpretar sua própria jurisprudência. Assim, ficou definido que ex-prefeitos e ex-governadores com contas rejeitadas por Tribunais de Contas só podem concorrer se a decisão for suspensa pela justiça comum.
Aposentadoria
Em duas décadas, Cesar Asfor Rocha viu o papel do magistrado mudar. “Em 1992, era preciso coragem para condenar um réu. Hoje, é preciso muita coragem para absolver”, disse em entrevista ao site Consulto Jurídico.
Para o magistrado, antigamente os juízes que não se acovardavam eram aqueles que puniam criminosos. Contudo, com a sede de justiçamento que tomou conta de parte da imprensa e da sociedade, os juízes que não se acovardam passaram a ser aqueles que decidem sem deixar se levar pelo calor do momento e pelas pressões externas.
Garantista, o ministro foi um dos maiores opositores de uma prática comum nas instâncias inferiores, no Ministério Público e nas polícias: a quebra de sigilos por meio de denúncia anônima. Por sustentar a decisão, chegou a ser atacado quando operações da Polícia Federal baseadas em denúncias anônimas tiveram suas provas invalidadas.
Em 2012, aos 64 anos, mesmo podendo seguir no mandato de ministro do STJ por mais seis anos, Cesar Asfor Rocha decidiu pendurar a toga.
Entrou para a história da corte como o mais jovem ministro empossado e o mais longevo de sua geração. Atualmente, o ex-ministro mantém um escritório de advocacia.