Caio Rocha explica o que é arbitragem
O jurista Caio Cesar Rocha foi um dos integrantes da comissão do Senado criada para reformular a Lei de Arbitragem.
Especialista no tema, ele possui doutorado no assunto pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Columbia Law School, nos Estados Unidos.
Sócio dos escritórios de advocacia Cesar Asfor Rocha e Rocha, Marinho e Sales, Caio Cesar Rocha explica de maneira didática todos os detalhes do que envolve a arbitragem no Brasil.
O que é arbitragem?
De maneira simples e resumida, trata-se de uma forma alternativa de mediar conflitos de diferentes tipos e áreas no direito, fora do sistema Judiciário.
Ela é regulamentada por lei no Brasil. As partes envolvidas são as responsáveis por indicar um árbitro ou uma entidade privada para solucionar a controvérsia apresentada.
O que é um árbitro?
É o responsável por decidir o resultado de um conflito.
Quem pode ser árbitro?
Qualquer pessoa com 21 anos completos, no domínio de suas faculdades mentais, pode ser indicada para a função.
Pode ser mais de uma pessoa, contanto que o número total de árbitros seja ímpar. O fundamental é que se tratem de pessoas independentes e imparciais, sem interesse nos resultados da decisão ou sem a possibilidade de serem influenciadas por alguma das partes. Um ex-funcionário ou prestador de serviços de uma das partes, por exemplo, não pode ser indicado.
Apenas juristas e gente do direito pode ser árbitro?
Não é preciso ser formado em direito para exercer a função. Um especialista em uma matéria que é fruto da controvérsia também pode ser indicado. É o caso, por exemplo, de economistas para decidir sobre questões financeiras. Ou de um engenheiro para arbitrar sobre imóveis.
Como funciona a escolha no caso de haver vários árbitros?
Nesses casos, cada parte escolhe um árbitro e esses dois escolherão em comum acordo um terceiro nome para compor o Tribunal Arbitral, como é chamado o colegiado com mais de um árbitro. No caso das arbitragens institucionais (veja sobre essa modalidade mais abaixo), quem indica a composição do tribunal é a câmara de arbitragem responsável por administrar o litígio.
A arbitragem está prevista em lei?
Desde 1996, com a aprovação da lei 9.307, o mecanismo está regulamentado. Contudo, passou a ser de fato difundido depois de ser considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2001.
Em 2015, uma nova lei, a 13.129, alterou a regra anterior. A nova legislação foi considerada uma modernização da anterior e, entre uma série de outras mudanças, passou a permitir o instituto da arbitragem para mediar conflitos na administração pública de maneira direta. Novas mudanças vieram com a reforma trabalhista, aprovada em 2017, que passou a permitir que empresas e funcionários resolvam conflitos em câmaras arbitrais, desde que o trabalhador esteja de acordo.
Qual o valor de uma decisão ou sentença em uma arbitragem?
Tem a mesma validade de uma decisão judicial. Usualmente, os árbitros tentam mediar conflitos entre as partes e fazer com que cheguem a um acordo. Caso não haja consenso, torna-se necessária a sentença. Trata-se de um procedimento ágil e não cabem recursos para a decisão. Caso não seja cumprida, o Poder Judiciário pode executar diretamente a sentença arbitral.
A sentença pode ser contestada ou anulada?
Em princípio, a decisão não pode ser contestada pelas partes, seja no Judiciário ou em outra câmara de arbitragem, e nem ser revista pelo árbitro.
No entanto, em alguns casos muito específicos onde há violação da ordem pública, é possível pedir a nulidade da sentença arbitral. A lei diz que ela pode ser anulada quando: o árbitro deveria estar impedido; a sentença não está fundamentada; não decidir a controvérsia; for comprovada que ela foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; não observar a igualdade das partes e do direito de defesa; e, for proferida fora do prazo. Há casos em que o juiz pode determinar que um árbitro emita uma nova sentença.
Qual o prazo para propor a anulação da sentença?
Noventa dias.
Antes da lei existir, já havia casos de arbitragem no Brasil?
A arbitragem precede o próprio surgimento do país.
Uma curiosidade: em 1494, a arbitragem foi empregada pra resolver o conflito entre Portugal e Espanha, que disputavam territórios como a futura colônia portuguesa. O Tratado de Tordesilhas, como foi chamado, foi arbitrado pelo Papa Alexandre VI. A primeira vez, contudo, que o mecanismo surgiu como lei no país foi na promulgação da Constituição do Império, de 1824.
O artigo 160 do texto dizia: “Nas causas cíveis e penais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes”.
Embora estivesse prevista em outras leis que foram sendo implementadas posteriormente, a arbitragem era pouco utilizada por conta da insegurança jurídica em relação às sentenças. Não havia nenhum tipo de obrigatoriedade de cumprir cláusulas contratuais que previam seu uso e a decisão do árbitro precisava ser homologada por um juiz.
O que pode ser decidido numa arbitragem?
Conflitos relativos a contratos, disputas entre empresas, assuntos que dizem respeito a direitos patrimoniais, questões trabalhistas e uma infinidade de outros assuntos. A lei prevê que qualquer controvérsia relativa a direitos que as partes possam livremente dispor podem ser submetidas à arbitragem.
E o que não pode?
Questões que estão fora da livre disposição das pessoas e que só podem ser decididas pelo Judiciário, tais quais nomes das pessoas, estado civil, direito criminal, entre outros.
Quem pode ir para uma arbitragem?
A regra é clara e diz o seguinte sobre a arbitragem:
“técnica que visa a solucionar questões de interesse de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sobre as quais elas possam dispor livremente em termos de transação e renúncia, por decisão de uma ou mais pessoas – o árbitro ou os árbitros -, quais têm poderes para assim decidir pelas partes por delegação expressa destes resultantes de convenção privada, sem estar investidos dessas funções pelo Estado.”
No caso de empresas, o contrato deve prever que futuros litígios devem ou podem ser resolvidos por meio da ferramenta. Mas pessoas físicas, como no caso de litígios trabalhistas entre empresas e ex-funcionários, também podem optar por seguir para a arbitragem, independente disso estar previsto em contrato ou não. Contudo, apenas cargos mais bem remunerados têm a opção de não seguir para a Justiça Trabalhista.
Desavenças patrimoniais e qualquer outro tipo de questão que não seja exclusiva do tratamento do Judiciário podem ser direcionadas para as câmaras de arbitragem, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Haverá, portanto, limitações para questões ligadas ao direito de família, sucessório, tributário e criminal.
No caso de empresas, se não estiver estabelecida previamente a possibilidade da arbitragem em contrato, é possível realizá-la mesmo assim?
Sim, por meio do chamado compromisso arbitral.
As duas partes precisam estar de acordo em seguir para essa ferramenta e assinar um documento em que deixam claro, diante de testemunhas, que vão resolver seus litígios dessa forma.
Depois que a decisão de ir para arbitragem está tomada, o que se deve fazer a seguir?
Tudo depende do contexto. De maneira genérica, pode-se recorrer diretamente a uma câmara de arbitragem, instituições que possuem regras próprias e administram o conflito. Elas, contudo, não fazem o papel dos árbitros. A sentença sobre o litígio é dada somente por eles. Nesses casos, em que a mediação é conduzida por uma dessas câmaras, dá-se o nome ao processo de arbitragem institucional. Outra possibilidade é a chamada arbitragem ad hoc, termo do latim que significa literalmente “para isto”. Nessa modalidade, os procedimentos seguirão os termos estabelecidos pelas próprias partes ou pelo árbitro indicado para mediar o conflito, e não seguirão os regulamentos de uma câmara.
Pode-se voltar atrás na decisão?
A escolha da arbitragem já é facultativa. Não há a menor obrigação das partes escolherem essa modalidade para resolver um conflito. Contudo, depois que a decisão está tomada, as partes não podem voltar atrás. Devem seguir o que foi acordado em contrato e não podem propor ação judicial.
Apesar das diferenças entre arbitragem institucional e ad hoc, existem regras comuns às duas?
Em comum, toda e qualquer arbitragem precisa seguir os parâmetros legais predispostos.
Diz a lei que o árbitro deve ser independente, tratar as partes de maneira imparcial e com igualdade, dar a elas o direito de se manifestarem para que se defendam e fundamentar sua decisão.
Existe mais alguma outra modalidade?
No sentido expresso da palavra, não. Ainda assim, existem nuances que diferenciam os termos pelos quais se dará uma decisão arbitral.
A lei determina que “a arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes”.
O que diferencia uma da outra?
Na primeira, o árbitro deve-se guiar estritamente pelo que diz a legislação vigente para embasar sua decisão. Em termos de comparação, ele faz as vezes de um juiz do judiciário e segue os códigos legais estabelecidos. No caso da arbitragem de equidade, o árbitro pode decidir de acordo com sua própria consciência, desde que “não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”. Nessa modalidade, o critério de justiça e os efeitos da sentença são do próprio árbitro e não da lei. As partes devem concordar previamente antes de entrar nesse modelo de arbitragem.
O que fazer quando o contrato já define previamente que conflitos serão resolvidos por meio de arbitragem?
É preciso seguir o que diz a cláusula arbitral, isto é, o trecho do contrato que dispõe sobre o assunto. Se estiver prevista a arbitragem institucional, deve-se seguir o que regulamenta a instituição apontada para administrar o conflito. Quando for ad hoc, deve-se comunicar a outra parte o desejo de usar a ferramenta e indicar um árbitro.
Uma das partes pode se recusar a ir para arbitragem se ela já está prevista em contrato?
Não pode. A cláusula obriga a escolha da ferramenta e não é possível seguir para o Judiciário.
Na comparação com o sistema judiciário, quais as vantagens de usar a arbitragem?
São várias. Eis algumas delas:
- Rapidez: por não haver a possibilidade de entrar com recursos e recorrer da sentença, o processo é muito mais rápido do que uma ação judicial. Além disso, a decisão do árbitro deve ser dada em seis meses. Na Justiça comum, a média é que uma decisão leve até três anos para sair.
- Informalidade: não é preciso se dirigir ao juízo com as mesuras e regras comportamentais dos tribunais tradicionais. Isso permite que as partes possam participar mais do processo, se posicionar com mais clareza e se posicionarem quando julgarem necessário. Além disso, há sempre a possibilidade de a interação entre as partes criar o ambiente para que um acordo saia antes de uma decisão arbitral.
- Confidencialidade: processos judiciais são públicos por lei. No caso da arbitragem, eles correm em sigilo. As partes, os dados e o conflito em si ficam protegidos de exposição de informações que podem ser confidenciais ou pessoais.
- Especialização: cada árbitro é especializado no assunto a ser julgado. Já no sistema judiciário, os juízes costumam julgar casos de matérias completamente diferentes.
- Confiança: como os árbitros são escolhidos pelas partes, há mais certeza sobre a qualidade da decisão.
Quem arca com os custos da arbitragem?
As partes podem decidir por dividir a conta ou a decisão pode ficar a cargo do árbitro. Isso inclui os custos do processo e os honorários do próprio árbitro.
O que é arbitragem internacional e quais são suas vantagens?
Trata-se da modalidade usada por empresas transnacionais para mediar conflitos em outros países sem ter de se submeter à legislação local.
Sua vantagem está justamente no fato de não ser necessário participar de um processo onde a justiça é do mesmo país que uma das partes.
O Brasil é o quinto país do mundo que mais utiliza arbitragem para tratar de conflitos que extrapolam as suas fronteiras.
Segundo levantamento da Câmara de Comércio Internacional (CCI), 3,9% de seus casos são provenientes do país. Com sede em Paris e com comitês em 80 países, a CCI estima que, em 2016, havia US$ 171 bilhões em disputas arbitrais.
No Brasil, os valores que estavam em discussão eram de US$ 6 bilhões. Naquele ano, o ranking de países era encabeçado pelos Estados Unidos, com 554 ações e representando uma fração de 17,8% dos casos. As Ilhas Virgens Americanas, em segundo, tinham 269 casos, o equivalente a 8,6% do total. O terceiro, Belize, tinha 135 ocorrências, um total de 4,3%.
A França, em quarto, aparecia com 124 disputas, 4% do total.
O Brasil, em quinto lugar, tinha 123 casos e 3,9% do total.
Alemanha, México, Espanha, Itália e Coreia do Sul fechavam a lista dos 10 países que mais reuniam processo arbitrais. O aparecimento de países como Belize e Ilhas Virgens Americanas à frente de outras economias mais fortes deve-se, em parte, ao fato de empresas americanas usarem os países em centenas de arbitragens.