Após intervenção militar, morte de crianças e adolescentes aumenta no Rio
Em 2017, 365 crianças e adolescentes foram mortos no estado do Rio de Janeiro. Dessas, 104 morreram em ações das forças de segurança, o que corresponde a 28% do total. O dado revela uma tendência de crescimento no estado desde 2011, quando a taxa de homicídios decorrentes de intervenção policial para adolescentes por grupo de 100 mil habitantes foi de 0,9, crescendo ano a ano até chegar a 7,4 no ano passado. Os números divulgados são da quarta edição do Dossiê Criança e Adolescente, lançado nesta semana pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão da Secretaria de Estado de Segurança.
Segundo a organizadora do dossiê, Flávia Vastano Manso, o estado segue, na verdade, uma tendência nacional de aumento de homicídios:
“Na questão da letalidade violenta [de crianças e adolescentes] a gente viu que o Rio de Janeiro segue a tendência nacional, com mudança de patamar a partir de 2014 na taxa das vítimas de homicídios dolosos e também de mortes por intervenção policial”, afirma.
Crianças e adolescentes representam 59% do total de vítimas de violência sexual em 2017, 16% dos homicídios decorrentes de intervenção policial e 8% dos homicídios dolosos. Por faixa etária, 28,6% dos adolescentes assassinados foram vítimas de intervenção policial e 70,4% de homicídio doloso. Entre os adultos, a proporção é de 13,2% de óbitos por intervenção policial e 81,9%, por homicídio doloso.
Negros e pardos
Entre os homicídios dolosos de crianças e adolescentes, 83% das vítimas eram negras ou pardas e 88% meninos. Nas mortes ocorridas em ações policiais, a percentagem é de 79% de negros ou pardos, sendo que 8% das vítimas não tiveram identificação de cor, e 97% de meninos. As meninas são 83% das vítimas de violência sexual e 56% de lesão corporal. O Dossiê detalha ainda que 90,5% dos adolescentes e 51,9% das crianças mortos de forma violenta foram vítimas de disparo de arma de fogo.
Agressor próximo
Para a organizadora do dossiê, chama a atenção a proporção de agressores conhecidos das vítimas, como familiares ou amigos da família. Eles são os responsáveis por 47% das agressões físicas e dos crimes de ameaça e constrangimento ilegal, por 40% dos crimes de violência sexual e por 38% dos crimes de violência moral.
“A vítima que convive com o seu agressor tende a sofre uma violência mais recorrente e mais duradoura, que pode durar anos. O encaminhamento disso é você ter uma rede de proteção acolhedora para a vítima, os profissionais que tem contato com a criança e o adolescente, estabelecer um canal de diálogo e de confiança, pra que esse adolescente possa se sentir à vontade e, percebida a violência, imediatamente denunciar e tomar as providências cabíveis”, explica Flávia Manso.
Ela salienta ainda que é comum a criança que sofre violência sexual ou maus tratos não ter apoio dentro da própria família, “porque às vezes o agressor é uma pessoa bem quista, é o provedor financeiro do lar”. Por isso, destaca Flávia, é de grande importância o acolhimento em outros espaços, como a escola.
“É uma responsabilidade compartilhada, a criança e o adolescente passam muito tempo lá [na escola] e esses profissionais precisam estar preparados para esse tipo de situação e poder dialogar com eles”.
Mais eficiência para o problema
A promotora de justiça Eliane Pereira, coordenadora do Laboratório de Análises Jurídicas, afirma que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) acompanha o trabalho do ISP e, salienta, os dados devem levar à reflexão sobre práticas mais eficientes para combater o problema.
Nesse sentido, ela informou que o MPE apresentou na última quarta-feira (21) uma resolução para priorizar a investigação de crimes contra crianças e adolescentes.
“Essa prioridade está prevista no Artigo 227 da Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Ninguém inventou a roda, está no arcabouço normativo. O que foi feito é um esforço de efetivação dessa prioridade na investigação e processamento das ações relativas à responsabilização dos autores de mortes de crianças e adolescentes”.