Setor portuário não pode obter parte de área pública sem o devido procedimento licitatório
Buscando seguir as diretrizes impostas pelo marco regulatório do setor portuário brasileiro, criado em junho de 2013, a Secretaria Especial de Portos da Presidência da República – SEP e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq estão tentando superar as necessidades encontradas no setor, como a melhoria na gestão operacional e de mão de obra, reduzir as intervenções corporativas e burocráticas e dar mais eficiência ao serviço, racionalizando o uso dos espaços e das instalações.
Uma das formas encontradas para tentar dar mais um passo no caminho da excelência foi a edição do Decreto que definiu a área do Porto Organizado de Paranaguá, localizado no estado do Paraná, que é aquela que compreende as instalações portuárias – como cais, armazéns, ancoradouros, docas, pontes e píeres de atracação e acostagem, terrenos, além de guias-correntes, canais, bacias de evolução e áreas de fundeio.
Em relação à delimitação e o processo de concessão das áreas de porto, é necessário tomar cuidado e observar a obrigatoriedade de licitação que precede a assinatura dos contratos públicos. É isso que explica a advogada autora de livro sobre legislação portuária Cristiana Muraro. Segundo a especialista, que integra a banca Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, uma das principais precauções que a Administração Pública deve ter é com a análise prévia sobre a celebração de aditivos de expansão de área, pois a legislação condena o fracionamento de área no Porto sem prévia licitação.
“É possível identificar o que estou explicando com o caso que aconteceu, em 1998, no próprio Porto do Paranaguá, com o Consórcio TCP, que venceu licitação promovida pela Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – Appa, que culminou na assinatura de um contrato de arrendamento do terminal de contêineres que abrangia, originariamente, dois berços de atracação e uma retroárea de 350 mil metros quadrados. No entanto, o TCP protocolizou documento requerendo a ampliação do cais pela construção de novo berço de atracação no complexo e a inexigibilidade de procedimento licitatório”, conta Muraro.
Confusão envolveu consórcio TCP
Inicialmente, o pedido de ampliação foi indeferido, mas em 2008, o TCP renovou o pleito, apresentando estudo técnico de engenharia e pareceres jurídicos. Dessa forma, a Appa acabou por assinar, por inexigibilidade de licitação, termos aditivos ao contrato com o TCP, concedendo-lhe a expansão da área. “A Administração considerou o cais como de uso exclusivo do TCP, firmando o entendimento de que eventual compartilhamento de berços com outro concessionário seria impossível, na medida em que o referido consórcio teria prioridade no embarque e desembarque de carga. Mas a expansão do porto de Paranaguá sem licitação é crime”, observa a especialista Cristiana.
Atores do setor, no entanto, iniciaram discussões afirmando que as embarcações que atracam naquele terminal devem observar a fila de chegada, como ocorre em todos os portos do País. Logo, o cais não é de uso exclusivo do TCP, mas sim de uso público. Dessa forma, a expansão dessa área ou construção de novos berços deveria ser licitada, caso contrário constitui-se crime. “Além disso, afirmaram que as ampliações podem ter ocorrido de forma sucessiva, sob alegação de inviabilidade de licitação, mas sem observância de que se houver o fracionamento do objeto da licitação, suas partes serão sempre inviáveis, pois que inservíveis na dimensão necessária para a construção de um novo terminal”, ressalta a especialista.
TCU deverá analisar o caso
Com isso, o caso foi levado ao Tribunal de Contas da União – TCU. O Acórdão nº 2.338/2015 – Plenário – que ainda pode ser revisto, mostrou inclinação pela inviabilidade econômica e operacional de licitar a área, considerando, entre outras questões, que a Taxa Interna de Retorno – TIR seria menor do que a taxa de desconto WACC – custo do capital.
“O caso é um alerta aos interessados pelo setor, pois não se pode permitir que os concessionários venham a obter parte de áreas públicas sem o devido procedimento licitatório. Dispensar ou inexigir licitação indevidamente é uma violência à Constituição Federal e um ato tipificado pela Lei nº 8.666/1993 como crime contra a Administração Pública”, conclui a advogada e autora Cristiana Muraro.