MP estabelece desapropriação executada por particulares
A propriedade é um direito e garantia fundamental de todos os residentes no Brasil. Diante disso, o Estado deve adotar todos os meios para proteger esse direito constitucional. O constituinte também previu, no entanto, que o Estado poderia intervir na propriedade privada, o que demonstra que o referido direito é relativo. Com isso, foi criado o instituto da desapropriação, com o objetivo de permitir que o Poder Público retire a propriedade do particular quando este não estiver cumprindo sua função social, por meio de um procedimento administrativo que deve garantir ampla defesa e contraditório ao expropriado.
Nesse contexto, o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, estabelece que a desapropriação deve ocorrer quando estiver fundamentada na utilidade pública. O procedimento de desapropriação previsto no Decreto-Lei foi alterado no final de 2015, por meio da Medida Provisória nº 700, de 8 de dezembro de 2015, que estabeleceu que empresas e consórcios contratados para executar obras e serviços de engenharia sob os regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada – previstos no Regime Diferenciado de Contratações Públicas – poderão promover desapropriações de imóveis.
De acordo com o advogado e professor de Direito Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, apesar de a MP apresentar o procedimento de execução da desapropriação, a questão é complexa e merece melhor reflexão.
“O Congresso Nacional está analisando a Medida Provisória, uma vez que a sua vigência está quase encerrando, em junho. A priori, a posição que prevalece entre os parlamentares é contrária à permissão dada pela MP, no sentido de que somente o Governo poderá desapropriar”, observa.
Anteriormente à edição da MP, explica o professor, somente os concessionários de serviços públicos e as entidades que exerçam funções delegadas do Poder Público estariam autorizados a promover desapropriações, para fins de utilidade pública.
“O argumento apresentado pelo Poder Executivo Federal para edição da MP é de que era necessária a compatibilização da legislação que trata das desapropriações ao ritmo de obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Além disso, os processos de desapropriação são entraves para soluções de infraestrutura, uma vez que são excessivamente morosos e demandam procedimentos, geralmente, repetitivos e desnecessários”, ressalta Jacoby.
Mudança deve ocorrer por meio de lei
Para o advogado, todas essas questões estão sendo analisadas pelo Congresso Nacional, que poderia intervir no processo com a edição de uma lei que permitisse que o procedimento fosse mais célere, porém com a preservação de direitos fundamentais.
“É certo que o Estado precisa avançar e executar obras, porém instituir uma nova formatação para a desapropriação poderia gerar uma insegurança jurídica”, destaca.
Outro ponto que merece destaque é que a mudança de um procedimento administrativo tão importante quanto esse deve ser realizada por meio de lei que permita que os parlamentares estudem o tema com profundidade.
“Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é justamente o respeito aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o ao ato jurídico perfeito, primados do conceito da segurança jurídica e vetor da paz social”, esclarece Jacoby.
O professor conclui.
“Se o Congresso não cumprir seu papel de apreciar leis e deixar o Executivo usurpar essa função, em um Estado Democrático de Direito, o cidadão poderia recorrer ao Judiciário. Com mais de 90 milhões de processos em tramitação, é muito difícil que o Judiciário consiga resgatar os valores constitucionais. É momento de revigorar os fundamentos do Direito, especialmente do Direito Administrativo”.