Miguel Matos criou Migalhas e renovou jornalismo
O empreendedor digital Miguel Matos criou um jeito próprio de cobrir o Judiciário brasileiro e de fazer jornalismo
Miguel Matos, fundador do jornal Migalhas
Não é de hoje que se diz que o jornalismo está em crise. Há 19 anos, quando o advogado Miguel Matos fundou o Migalhas, já havia coveiros prontos para enterrar o moribundo jornalismo. Ele era então um jovem recém-formado em direito, ainda sem saber exatamente o que faria de sua vida profissional.
Eram os anos 2000. A internet era discada – era necessário usar uma linha de telefone fixo para se conectar à rede. Os celulares da época só faziam e recebiam chamadas. Os mais modernos, tinham mensagens de texto e joguinhos bem rudimentares – smartphone sequer era uma palavra. E os grandes veículos de imprensa já davam sinais de que o auge havia ficado em algum lugar no passado.
A aposta no bom jornalismo
“Entrar no jornalismo naquela época, como hoje, não era nada aconselhável”, afirma Miguel Matos. Criar um negócio para a internet também não era algo prudente a se fazer. Vale lembrar que, naquele ano, uma bolha especulativa estourou nos Estados Unidos e implodiu empresas das primeiras gerações do ponto.com.
Mas Miguel Matos viu algo que quem estava no mercado há muitos anos não enxergou. “A internet era um campo ainda inexplorado e muito novo para o jornalismo brasileiro. Havia somente alguns portais surgindo e os veículos tradicionais tentando replicar na rede os mesmos modelos que usavam no papel”, recorda.
O jovem empreendedor digital começou de maneira despretensiosa. No início, enviava e-mails com as notícias que julgava serem mais relevantes para alguns amigos. Tomou gosto pelo negócio e decidiu transformar a curadoria de matérias em uma newsletter. Nascia aí o Migalhas, o primeiro veículo especializado na cobertura do Judiciário brasileiro.
“Era um informativo que tinha algumas premissas básicas: ser curto, objetivo, crítico e bem humorado”, ilustra Miguel Matos. Entre as regras editoriais também estava o fato de ser enviado bem cedo, nas primeiras horas da manhã. “Esse é até hoje um dos segredos do sucesso, o cara abre o e-mail e já estão lá os conteúdos principais pra ele começar o dia bem informado”, explica o dono do Migalhas.
A crise da imprensa
Quando o Migalhas nasceu, o jornalismo já estava em crise. E permanece assim até hoje. Dezenas de empresas tradicionais fecharam suas publicações. As que permanecem vivas, costumam fazer demissões em massa constantemente para equilibrar as contas. Isso não ocorre apenas no Brasil, mas ao redor de todo o mundo. Até mesmo empresas que nasceram mais recentemente na própria internet passam por dificuldades financeiras.
As razões disso são variadas. O modelo de negócios, baseado na venda de espaços publicitários e de assinaturas, já não se sustenta mais. A competição pela audiência com outros meios de comunicação típicos dos meios digitais, como as redes sociais e os aplicativos de mensagens instantâneas, tiram leitores, telespectadores e ouvintes dos veículos mais tradicionais e também dos digitais.
Os especialistas também avaliam que, em tempos de desconfiança das instituições, a credibilidade da grande imprensa, abalada por escândalos e por coberturas tendenciosas, também foi posta em xeque. Colaboram para isso as militâncias digitais organizadas que espalham fake news pelas redes.
A relação do Migalhas com o público
Na contramão disso tudo, o Migalhas se expandiu nas últimas duas décadas. “Surgimos como um veículo de nicho, falando para um público muito específico”, explica Miguel Matos. “Saber pra quem estávamos escrevendo e conhecer bem sobre o assunto foi fundamental pra cair no gosto das pessoas”, avalia. Principalmente no início, o veículo era lido apenas por profissionais do direito, como advogados, promotores e juízes.
Quando veio o caso do Mensalão, o Migalhas já funcionava como um site e outro público se interessou pelo seu conteúdo. “Como falávamos sobre questões legais com propriedade e de maneira descomplicada, as pessoas começaram a prestar atenção no que publicávamos”, relata Miguel Matos. O portal acabou virando fonte de consulta obrigatória até mesmo para jornalistas de outras empresas.
A relação de intimidade com a audiência foi fundamental para o crescimento. “Nosso público forma uma verdadeira confraria, são os migalheiros”, diz Miguel Matos. Foi graças a uma parte desses migalheiros, aliás, que o Migalhas deixou de ser apenas uma newsletter para virar também um site.
“Perguntei pros escritórios de advocacia que recebiam o Migalhas se eles topariam ser nossos parceiros”, recorda Miguel Matos. “Eles toparam. Aí vi que o negócio tinha dado certo”, diz. Assim, surgia também não apenas um novo jeito de fazer jornalismo na internet, mas também um modelo de negócios diferente do usual. Ao invés de vender assinaturas, o veículo permaneceu gratuito. Mas passou a ser patrocinado por diferentes bancas de advocacia pelo país.
O jornalismo do Migalhas
O Migalhas possui algumas outras peculiaridades que se chocam com as práticas habituais das redações. Uma delas diz respeito ao furo. Pilar sobre o qual está erigida a catedral da imprensa tradicional, o furo, que no jargão se refere às reportagens bombásticas e inéditas, é desprezado pelo chefe do Migalhas. “Ele é a chance de errar”, avalia Miguel Matos. “Como nascemos bem pequenininhos, sempre evitei publicar algo que podia estar errado. Por isso, furo só entra se é algo sobre o qual tenho total certeza que foi daquele jeito”, afirma.
Outra tradição jornalística que o Migalhas releva é a regra de manter, em separado das matérias, o chamado “outro lado”, o espaço em que, geralmente, os alvos da notícia podem contar suas versões da história. “Acho isso meio parcial, deixa a impressão de que há um lado certo e outro errado”, explica Miguel Matos. Por isso, o veículo faz suas matérias sempre inserindo os mais variados pontos de vista no mesmo caldo, sem deixar nada à parte.
Tem mais. O Migalhas não publica documentos que estão sob sigilo de Justiça. “Se somos um veículo jurídico, é um contrassenso romper com a legalidade”, diz Miguel Matos. “Os jornalismo justifica que o sigilo pode ser quebrado em benefício do bem comum. Mas esse é o mesmo argumento dos juízes que o decretam”, sustenta o publisher. Ele discorda da prática judicial brasileira de colocar determinados casos em segredo de Justiça. “Faço críticas a isso, mas não publico mesmo assim”, diz.
Mesmo com tantas diferenças no modelo de negócios e nas regras jornalísticas, o Migalhas chegou longe. De pequeno informativo, transformou-se em portal de notícias, canal de TV, rede social, editora de livros e em prestadora de serviços para advogados. Que venham mais décadas de inovação.
Enxergar acho que se escreve assim.
Enxergar acho que se escreve assim.
É preciso ter coragem para enchergar as oportunidades quando todos só veem fracasso. Parabéns pela coragem e percistência. Phttps://bit.ly/2E3t98h