Previdência privada não pode cobrar devolução de valores pagos erroneamente a beneficiário
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, em julgamento do Recurso Especial nº 1.626.020, que os valores de benefícios de previdência complementar recebidos de boa-fé, quando pagos indevidamente pela entidade de previdência privada em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do regulamento, não estão sujeitos à devolução, pois se cria expectativa de que tais verbas alimentares eram legítimas. O recurso havia sido interposto por entidade de previdência complementar que foi condenada a devolver valores descontados de beneficiários.
O caso aconteceu a partir da revisão da renda mensal inicial de aposentadorias dos beneficiários, feita pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS no ano de 1992. Como o valor dos proventos aumentou, os benefícios suplementares correspondentes deveriam sofrer redução, por força de norma estatutária. A entidade de previdência privada, no entanto, somente ajustou as aposentadorias complementares em dezembro de 1994, promovendo o desconto das diferenças pagas indevidamente.
No STJ, a entidade alegou que, se no regime da previdência social pública é permitido ao INSS proceder ao desconto de parcelas pagas a maior ao beneficiário e se a legislação especial da recorrente determina a aplicação subsidiária daquela outra, os descontos dos valores diretamente na suplementação do recorrido serão legais e legítimos.
Entendimento pacificado
Na sentença, o relator da matéria, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que já está pacificado no âmbito do STJ, do Supremo Tribunal Federal – STF, do Tribunal de Contas da União – TCU e também da Advocacia-Geral da União – AGU o entendimento de que,
“configurada a boa-fé dos servidores e considerando-se também a presunção de legalidade do ato administrativo e o evidente caráter alimentar das parcelas percebidas, não há falar em restituição dos referidos valores”.
Para o relator, apesar de os regimes normativos das entidades abertas e fechadas de previdência complementar e da previdência social serem diferentes, deve ser aplicado o mesmo raciocínio em relação à não restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista e que tenham aparência de definitivas, como forma de harmonizar os sistemas.
Desse modo, conforme o advogado e professor de Direito Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, a discussão sobre o recebimento de valores de boa-fé voltou, com mais força, à pauta de discussão na sociedade após o Supremo Tribunal Federal decidir que não há amparo legal para que o trabalhador aposentado volte a trabalhar e peça o recálculo desse valor da aposentadoria. Com o fim da desaposentação, surgiu a dúvida: será que o trabalhador terá que devolver os recursos recebidos?
“O principio é o mesmo. Não é possível a devolução de valores, pois foram recebidos de boa-fé, integram a parcela alimentar e não é possível obrigar a devolução de recursos quando a jurisprudência é controvertida. Soa tirana a ideia de buscar devolução de valores quando várias interpretações eram juridicamente admitidas. Se os próprios juízes divergiram e em muitas sentenças determinaram o pagamento do valor recalculado é porque a matéria era controvertida e não cabe devolução”, conclui Jacoby Fernandes.