Investigação de Espionagem Envolvendo a Família Bolsonaro
O Supremo Tribunal Federal suspeita que o filho mais novo do ex-presidente, Carlos Bolsonaro, tenha montado nos serviços de inteligência uma rede clandestina de espionagem destinada a monitorar centenas de adversários políticos com spyware.
Na segunda-feira, 29 de janeiro, dois carros blindados da Polícia Federal estavam estacionados discretamente no início da manhã em frente à casa de veraneio de Jair Bolsonaro em Mambucaba, cidade litorânea 150 quilômetros a oeste do Rio Janeiro, onde o ex-presidente de extrema direita estava hospedado com três de seus filhos.
Surpreendidos pelas câmeras da emissora Globo, os agentes realizaram uma série de buscas visando o caçula da família, Carlos Bolsonaro, atualmente vereador da cidade do Rio de Janeiro. Além de Mambucaba, a polícia também fez buscas em sua residência principal e em seu escritório na assembleia municipal. Dois celulares e um computador foram apreendidos.
O Supremo Tribunal Federal suspeita que ele tenha participado de uma rede clandestina de espionagem que teria sido montada dentro dos serviços de inteligência (ABIN) na presidência de Jair Bolsonaro (2019-2022) para monitorar centenas de seus adversários políticos por meio do spyware israelense FirstMile .
Adquirida em 2017 no governo de Michel Temer (2016-2018), esta ferramenta digital permite localizar geograficamente pessoas através do seu número de telemóvel, explorando vulnerabilidades de segurança na rede de telecomunicações. Teria assim permitido que os serviços de informações contornassem a autorização judicial normalmente exigida por lei para monitorizar indivíduos que utilizam dados confidenciais transmitidos pelos operadores telefônicos aos seus clientes.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, Carlos Bolsonaro, que administrou a comunicação das redes sociais de seu pai durante sua presidência, teria utilizado informações coletadas ilicitamente pela ABIN com o objetivo de criar falsas campanhas midiáticas contra seus adversários políticos. Ele também supostamente os utilizou para preparar a defesa de seus irmãos Jair Renan e Flavio Bolsonaro no contexto de diversas investigações de corrupção.
“Perseguição” política
A lista completa de pessoas que foram alvo do FirstMile ainda não foi divulgada. Mas, segundo informações divulgadas pelo Supremo Tribunal Federal, entre as vítimas do software estariam vários de seus juízes, entre eles Alexandre de Moraes, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados entre 2016 e 2021, e Camilo Santana , ex-governador do Estado do Ceará (2015-2022) e atual ministro da Educação no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os investigadores também suspeitam que o software tenha sido usado para monitorar Simone Sibilio, promotora estadual do Rio de Janeiro, que investigou, entre 2018 e 2021, o assassinato, em 14 de março de 2018, de Marielle Franco, vereadora municipal do Rio de Janeiro.
Jair Bolsonaro, que atualmente não é formalmente alvo da investigação, negou à CNN a existência de uma “estrutura paralela” nos serviços de inteligência. “Nunca recebi a menor informação sobre a localização de ninguém”, garantiu o ex-presidente no dia seguinte às buscas contra seu filho, acusando o governo Lula de realizar “perseguições” políticas contra ele.
Alexandre Ramagem, ex-chefe de inteligência de Bolsonaro, que também foi alvo de buscas em 25 de janeiro, manteve a mesma linha de defesa. Em entrevista ao canal Globo, ele acusou a investigação do Supremo Tribunal Federal de tentar fazê-lo renunciar à candidatura do Partido Liberal (o mesmo ao qual Jair Bolsonaro pertence) a prefeito do Rio de Janeiro, em outubro de 2024”. Eles [as autoridades] não querem o direito de ganhar as câmaras municipais”, criticou.
“A defesa do clã Bolsonaro não tem muita credibilidade”, analisa Rafael Zanatta, advogado e diretor da organização Data Privacy Brasil, que luta pela proteção de dados privados no Brasil. Segundo o especialista, a descoberta do uso do FirstMile é “apenas a ponta do iceberg” de um problema maior: no governo Bolsonaro, “muito spyware foi adquirido por serviços de inteligência e militares”, afirma.
Obstrução de investigações
Segundo estudo do Instituto de Pesquisas Direito e Tecnologia do Recife, entre 2019 e 2022, o valor gasto na compra de software de hacking pelo estado federal aumentou de 7 milhões de reais (1,3 milhões de euros) para 55 milhões de reais (10,3 milhões euros).
“Não sabemos para que finalidade esse software é utilizado”, preocupa Rafael Zanatta.
Além disso, o governo de Jair Bolsonaro “enfraqueceu o profissionalismo dos serviços de inteligência”, analisa Guilherme Stolle Paixão e Casaroes, cientista político da Fundação Getulio Vargas em São Paulo. Ele usou o pretexto de que as instituições estavam ocupadas por comunistas para justificar a nomeação de muitos dos seus amigos pessoais, especialmente do exército, para cargos-chave nos serviços de inteligência. »
No dia seguinte às buscas contra Carlos Bolsonaro, Lula decidiu se separar de alguns deles. No dia 30 de janeiro, o presidente demitiu Alessandro Moretti, então vice-diretor da ABIN e que ocupou cargos na Polícia Federal no governo de Jair Bolsonaro. O Supremo Tribunal Federal suspeita que ele tenha tentado obstruir investigações sobre o uso ilícito do FirstMile pela ABIN. Além de Alessandro Moretti, também foram demitidos seis altos funcionários da instituição.
Contrariando os perfis escolhidos pelo antecessor, Lula anunciou que o novo número 2 da ABIN será uma figura acadêmica: Marco Auralio Cepik, professor de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
O político já prometeu que empreenderia “uma reestruturação do sistema de inteligência” para acabar com a sua “subordinação” ao presidente. “Não haverá ABIN de Lula”, prometeu, “as instituições republicanas voltarão a funcionar. »